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Ser Cambone

A primeira vez que entrei em um Terreiro de Umbanda, me encantei. Já tinha ouvido falar muito a respeito. Observava tudo tentando fazer as conexões do conhecimento abstrato com a realidade. O toque do atabaque me arrepiava, a corrente me cativava.

Mas tinha uma mulher no meio disto tudo que me chamava atenção. Ela ajudava a Mãe de Santo em todas as tarefas. Andava para cá e para lá, organizava isso, direcionava aquilo. Pensei: se um dia entrar na corrente, quero ser como ela: trabalhar “por trás” dos bastidores para ajudar a magia acontecer.

Naquela noite, após a gira, um amigo muito especial, que me ensinou boa parte do que eu sei sobre umbanda, me explicou que ela era a cambone da Mãe de Santo. Com muita paciência, pelo Whatsapp, me falou a respeito desta função no terreiro. Não tinha dúvidas: era cambone que queria ser.

Depois de dois meses na assistência, entrei na corrente. Todas as giras meu corpo arrepiava e eu aprendia mais e mais. Na corrente observava não só a cambone da Mãe de Santo, mas todos os cambones que trabalhavam com os médiuns. Em uma noite o capitão Bill me disse: você vai cambonear o Luciano. Eu? Cambonear? Como assim? Não sei nada! Você aprenderá.

Conversei um pouco com o médium Luciano e pedi paciência e ajuda. Ele e a entidade foram encantadores. Era gira de Preto Velho. A primeira pergunta que eu fiz foi: o que é pemba? Pergunta de iniciante. Ele me direcionou durante toda assistência que eu “o ajudei”. Sai da gira extasiada.

Depois disso camboneei outros médiuns e hoje estou cambone da minha Mãe de Santo, Mãe Carol de Ogum. Das funções que exerço em toda minha vida, esta é a mais especial. Aprendo a cada gira com ela e com as entidades. Ela tem uma paciência gigante, destas que só mãe tem. Sou grata de todo coração por ser sua filha.

Minha Mãe Pequena também me ensina muito. Sempre me orienta, dá dicas. Às vezes com o olhar diz: “é agora que deve fazer isso”. Tenho muita sorte por tê-las em minha vida.

Mas o que é cambonear?

Cambonear é servir não só o médium como a entidade. É se doar para que os trabalhos e as assistências aconteçam sem interferência, da melhor forma possível.

Cambonear é proteger o terreiro, a corrente, o consulente, o médium. É preciso estar atento às orientações da entidade para que tudo aconteça dentro da filosofia e regras da casa. É necessário registrar tudo de forma clara, para que posteriormente, os dirigentes da casa possam analisar as informações e direcionar os trabalhos.

Cambonear é traduzir o que a entidade fala e às vezes o consulente não entende. É preciso atenção. Também é ter humildade para pedir ajuda, quando necessário.

Cambonear é estudar umbanda, ervas, regras, o ser humano… é preciso conhecimento para cambonear. Já dei muito fora (e ainda dou) nesta função. Cobro-me a cada gira para exercer este meu papel com maior excelência. E para isso só existe uma solução: estudar, ouvir os mais experientes – estar pronto para aprender.

Cambonear é sigilo. É cuidar de todas as informações que têm em consultas. É direcioná-las para as pessoas certas, no momento certo.

Cambonear é cuidar de todo material utilizado. Cambonear também é organização.

Cambonear é conversar com o médium que vai trabalhar para saber como deve ajudá-lo. É ele quem tem a maioria das respostas. Cambonear é perguntar e muito. Cambonear é comunicação limpa e em parceria.

Cambonear é doar energia para que o momento tenha equilíbrio, para perceber as necessidades do consulente e saber dar um olhar, um sorriso, um abraço, acolher, falar e se calar.

Cambonear é amar os irmãos de corrente, a hierarquia, a Mãe de Santo, as entidades, a umbanda. É amar o desconhecido que busca ajuda, axé, abraço, oração, alento.

Cambonear é receber conselhos, orientações e olhares em todas as consultas que participa. É ter o privilegio de crescer trabalhando para o próximo.

Cambonear é saber que algumas vezes suas necessidades não serão atendidas de forma direta. Quando camboneia você dá o seu lugar aos seus irmãos e consulentes. Lembro um dia que queria muito falar com a entidade dirigente da casa, mas os trabalhos foram muitos, a hora se estendeu e não pude fazer minha consulta. Fiquei chateada no momento. Mas depois, mesmo não falando, uma certeza invadiu meu coração e me deu uma paz tremenda: “você está sendo cuidada”. Entendi que isso também é cambonear, como disse, dar lugar ao próximo.

Cambonear é se cuidar. É preciso cuidar do corpo físico – tem que ter agilidade e saúde para levantar, abaixar, ir, voltar, descer, subir. É preciso cuidar do espiritual, sempre!

Cambonear é muito mais que tudo isso, só estou no início desta caminhada e a única certeza que tenho é que preciso aprender muito. Sou grata demais por exercer esta função e a corrente desta forma.

Cambonear é algo que arrebata meu coração.

Texto escrito pela médium Carol Kanso, cambone da Mãe Carol de Ogum e médium do Terreiro Caboclo Akuan – 04/05/2018

Imagem cedida por Kah Alves (médium gira do Pai Junior de Iemanjá do Terreiro Pai Maneco / Curitiba – PR) – na imagem Kah Alves e Agatha cambones do Pai Junior de Iemanjá. 

 

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